Catulo: Carmen III
Lugete, o Veneres Cupidinesque,
et quantumst hominum venustiorum!
passer mortuus est meae puellae,
passer, deliciae meae puellae,
quem plus illa oculis suis amabat:
nam mellitus erat suamque norat
ipsam tam bene quam puella matrem,
nec sese a gremio illius movebat,
sed circumsiliens modo huc modo illuc
ad solam dominam usque pipiabat. qui nunc it per iter tenebricosum
illuc, unde negant redire quemquam.
at vobis male sit, malae tenebrae
Orci, quae omnia bella devoratis:
tam bellum mihi passerem abstulistis.
o factum male, quod, miselle passer,
tua nunc opera meae puellae
flendo turgiduli rubent ocelli!
William Carlos Williams: This is just to say
I have eaten
the plums
that were in
the icebox
and which
you were probably
saving
for breakfast
Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold
Lugete, o Veneres Cupidinesque,
et quantumst hominum venustiorum!
passer mortuus est meae puellae,
passer, deliciae meae puellae,
quem plus illa oculis suis amabat:
nam mellitus erat suamque norat
ipsam tam bene quam puella matrem,
nec sese a gremio illius movebat,
sed circumsiliens modo huc modo illuc
ad solam dominam usque pipiabat. qui nunc it per iter tenebricosum
illuc, unde negant redire quemquam.
at vobis male sit, malae tenebrae
Orci, quae omnia bella devoratis:
tam bellum mihi passerem abstulistis.
o factum male, quod, miselle passer,
tua nunc opera meae puellae
flendo turgiduli rubent ocelli!
Trad. Nelson Ascher: Ode 3
Chorai, Vênus, Cupidos e homens, quantos
venerem a beleza, oh vós, chorai
a morte do pardal da minha amada,
pardal que era o prazer da minha amada
e que ela amava mais que aos próprios olhos,
porque era doce, conhecia a dona
como conhece a mãe uma menina
e não saía nunca do seu colo,
onde, pulando sem parar de um lado
ao outro, só piava para ela.
E agora ele se foi na tenebrosa
jornada da qual — dizem — ninguém volta.
Maldita sejas, por tragares tudo
que é belo, tu, maldita treva do Orco
que me privaste de um pardal tão belo!
0h, maldição! Coitado do pardal!
Por tua causa, a amada está com olhos
inchados e vermelhos de chorar.
Chorai, Vênus, Cupidos e homens, quantos
venerem a beleza, oh vós, chorai
a morte do pardal da minha amada,
pardal que era o prazer da minha amada
e que ela amava mais que aos próprios olhos,
porque era doce, conhecia a dona
como conhece a mãe uma menina
e não saía nunca do seu colo,
onde, pulando sem parar de um lado
ao outro, só piava para ela.
E agora ele se foi na tenebrosa
jornada da qual — dizem — ninguém volta.
Maldita sejas, por tragares tudo
que é belo, tu, maldita treva do Orco
que me privaste de um pardal tão belo!
0h, maldição! Coitado do pardal!
Por tua causa, a amada está com olhos
inchados e vermelhos de chorar.
Dorothy Parker: From A letter from Lesbia
... So, praise the gods, Catullus is away!
And let me tend you this advice, my dear:
Take any lover that you will, or may,
Except a poet. All of them are queer.
It's just the same. — a quarrel or a kiss
Is but a tune to play upon his pipe.
He's always hymning that or wailing this;
Myself, I much prefer the business type.
That thing he wrote, the time the sparrow died —
(Oh, most unpleasant — gloomy, tedious words!)
I called it sweet, and made believe I cried;
The stupid fool! I've always hated birds...
And let me tend you this advice, my dear:
Take any lover that you will, or may,
Except a poet. All of them are queer.
It's just the same. — a quarrel or a kiss
Is but a tune to play upon his pipe.
He's always hymning that or wailing this;
Myself, I much prefer the business type.
That thing he wrote, the time the sparrow died —
(Oh, most unpleasant — gloomy, tedious words!)
I called it sweet, and made believe I cried;
The stupid fool! I've always hated birds...
Trad. Nelson Ascher: De uma carta de Lésbia
... Catulo está, portanto, fora da cidade,
Graças aos deuses! E eis, querida, o meu conselho:
Escolhe, para amante, quem quer que te agrade,
Salvo um poeta, pois ninguém é tão pentelho.
Tanto lhe faz se há briga ou beijo — são somente,
Com sua flauta sempre em mãos, um bom motivo
Para cantar sobre o que louve ou que lamente.
Meu tipo mesmo está mais para o executivo.
Chamei aquilo sobre a morte do pardal
(Que versos lúgubres, maçantes, comezinhos!)
De doce, até fiz que chorava e coisa e talPara o imbecil. — Só que eu odeio passarinhos...
... Catulo está, portanto, fora da cidade,
Graças aos deuses! E eis, querida, o meu conselho:
Escolhe, para amante, quem quer que te agrade,
Salvo um poeta, pois ninguém é tão pentelho.
Tanto lhe faz se há briga ou beijo — são somente,
Com sua flauta sempre em mãos, um bom motivo
Para cantar sobre o que louve ou que lamente.
Meu tipo mesmo está mais para o executivo.
Chamei aquilo sobre a morte do pardal
(Que versos lúgubres, maçantes, comezinhos!)
De doce, até fiz que chorava e coisa e talPara o imbecil. — Só que eu odeio passarinhos...
William Carlos Williams: This is just to say
I have eaten
the plums
that were in
the icebox
and which
you were probably
saving
for breakfast
Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold
Trad. Antonio Cicero: Isto é só para dizer
Eu comi
as ameixas
que estavam
na geladeira
as quais
você decerto
guardara
para o desjejum
Desculpe-me
estavam deliciosas
tão doces
e tão frias
Eu comi
as ameixas
que estavam
na geladeira
as quais
você decerto
guardara
para o desjejum
Desculpe-me
estavam deliciosas
tão doces
e tão frias
William Carlos Williams: “the red wheelbarrow
so much depends
upon
a red wheel
barrow
glazed with rain
water
beside the white
chickens
so much depends
upon
a red wheel
barrow
glazed with rain
water
beside the white
chickens
Trad. Antonio Cicero: o carrinho de mão vermelho
tanta coisa depende
de
um carrinho de mão
vermelho
vidrado pela água da
chuva
perto das galinhas
brancas.
de
um carrinho de mão
vermelho
vidrado pela água da
chuva
perto das galinhas
brancas.
William Carlos Williams: The act
There were the roses, in the rain.
Don’t cut them, I pleaded.
They won’t last, she said.
But they’re so beautiful
where they are.
Agh, we were all beautiful once, she
said,
and cut them and gave them to me
in my hand.
Trad. Antonio Cicero: O ato
Lá estavam as rosas, na chuva.
Não as corte, implorei.
Não vão durar, ela disse.
Mas estão tão bonitas
onde estão.
Ah, todos nós fomos bonitos um dia, ela
disse,
e as cortou e as deu para mim
na minha mão.
Vicente de Carvalho: Velho Tema
I
Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
I
Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Eugénio de Andrade: Vegetal e só
É outono, desprende-te de mim.
Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.
Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.
Devolve-me o rosto de um verão
Sem a febre de tantos lábios,
Sem nenhum rumor de lágrimas
Nas pálpebras acesas
Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.
É outono, desprende-te de mim.
Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.
Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.
Devolve-me o rosto de um verão
Sem a febre de tantos lábios,
Sem nenhum rumor de lágrimas
Nas pálpebras acesas
Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.
Eugénio de Andrade: O sorriso
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Eugénio de Andrade: Sempre a água
Sempre a água me cantou nas telhas.
Habito onde as suas bicas,
as suas bocas jorram.
As palavras que no cântaro
a noite recolhe e bebe
com agrado
sabem a terra por serem minhas.
Não sou daqui e não vos devo
nada, ninguém
poderá negar a evidência
de ser chama ou água,
fluir em lugar de ser pedra.
Perdoai-me a transparência.
Sempre a água me cantou nas telhas.
Habito onde as suas bicas,
as suas bocas jorram.
As palavras que no cântaro
a noite recolhe e bebe
com agrado
sabem a terra por serem minhas.
Não sou daqui e não vos devo
nada, ninguém
poderá negar a evidência
de ser chama ou água,
fluir em lugar de ser pedra.
Perdoai-me a transparência.
Eugénio de Andrade: Green God
Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.
Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.
Eugénio de Andrade: Templo da Barra
O verde dos bambus mais altos é azul
ou então é o céu que pousa nos seus ramos.
ou então é o céu que pousa nos seus ramos.
Eugénio de Andrade: Conselho
Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.
Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.
Eugénio de Andrade: O sal da língua
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
Eugénio de Andrade: Mar de setembro
Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves -- só
ritmo e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
Eugénio de Andrade: Mar de setembro
Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves -- só
ritmo e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.
Não sinto
(muito mais)
falta
nem saudade.
Estou tomando gosto das coisas.
Figuras e linguagem.
Uma laranja
diminutivo
sopinha quente
um sorriso
uma boa chuveirada.
O verão!
Como é colorido.
Super.
O Rio de Janeiro.
Uma viagem.
Contradições. Sinônimos.
Que boa a mão da idade.
Ângela Melim: Meu pai nos abandonou
Meu pai nos abandonou.
Minha mãe casou e mudou.
Vovó morreu.
Os irmãos sumiram no mundo
ou submundo.
Sem explicação
Yvonne nunca mais falou comigo
e, para Ronaldo,
sou fantasma do passado.
Vejo meus filhos já voando.
Nem um pássaro na mão.
Minha mãe casou e mudou.
Vovó morreu.
Os irmãos sumiram no mundo
ou submundo.
Sem explicação
Yvonne nunca mais falou comigo
e, para Ronaldo,
sou fantasma do passado.
Vejo meus filhos já voando.
Nem um pássaro na mão.
Miguel de Unamuno: Leer, leer, leer
Leer, leer, leer, vivir la vida
que otros soñaron.
Leer, leer, leer, el alma olvida
las cosas que pasaron.
Se quedan las que quedan, las ficciones,
las flores de la pluma,
las olas, las humanas creaciones,
el poso de la espuma.
Leer, leer, leer; ¿seré lectura
mañana también yo?
¿Seré mi creador, mi criatura,
seré lo que pasó?
Leer, leer, leer, vivir la vida
que otros soñaron.
Leer, leer, leer, el alma olvida
las cosas que pasaron.
Se quedan las que quedan, las ficciones,
las flores de la pluma,
las olas, las humanas creaciones,
el poso de la espuma.
Leer, leer, leer; ¿seré lectura
mañana también yo?
¿Seré mi creador, mi criatura,
seré lo que pasó?
Trad. Antonio Cicero: Ler, ler, ler
Ler, ler, ler, viver a vida
Que outros sonharam.
Ler, ler, ler, a alma olvida
As coisas que passaram.
Ficam as que ficam, as ficções,
As flores da pluma,
As ondas, as humanas criações,
A lia da espuma.
Ler, ler, ler, serei leitura
Amanhã também eu?
Serei meu criador, minha criatura,
Serei o que passou?
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