segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Aula de 31 de outubro

Conforme anunciei na aula passada, hoje teremos a presença do poeta e professor de filosofia Alex Varella. Vários poemas dele podem ser lidos e ouvidos no blog "A cidade sou eu", cujo endereço é:  http://acidadesoueu.blogspot.com/.

domingo, 23 de outubro de 2011

Aula de 24 de outubro

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No dia 17,, imaginando que a aula do dia 24 seria a última de outubro, anunciei a presença do poeta Alex Varella. Eu estava enganado. A última aula de outubro se dará no dia 31, quando, de fato, deveremos ter a presença de Alex Varella.


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Carlos Drummond de Andrade: Relógio do Rosário


Era tão claro o dia, mas a treva,
do som baixando, em seu baixar me leva

pelo âmago de tudo, e no mais fundo
decifro o choro pânico do mundo,

que se entrelaça no meu próprio choro,
e compomos os dois um vasto coro.

Oh dor individual, afrodisíaco                     
selo gravado em plano dionisíaco,

a desdobrar-se, tal um fogo incerto,
em qualquer um mostrando o ser deserto,    

dor primeira e geral, esparramada,                
nutrindo-se do sal do próprio nada,

convertendo-se, turva e minuciosa,
em mil pequena dor, qual mais raivosa,

prelibando o momento bom de doer,
a invocá-lo, se custa a aparecer,

dor de tudo e de todos, dor sem nome,
ativa mesmo se a memória some,

dor do rei e da roca, dor da cousa
indistinta e universa, onde repousa

tão habitual e rica de pungência
como um fruto maduro, uma vivência,

dor dos bichos, oclusa nos focinhos,
nas caudas titilantes, nos arminhos,

dor do espaço e do caos e das esferas,
do tempo que há de vir, das velhas eras!

Não é pois todo amor alvo divino,
e mais aguda seta que o destino?

Não é motor de tudo e nossa única              
fonte de luz, na luz de sua túnica?

O amor elide a face… Ele murmura
algo que foge, e é brisa, e fala impura.

O amor não nos explica. E nada basta,
nada é de natureza assim tão casta

que não macule ou perca sua essência
ao contato furioso da existência.

Nem existir é mais que um exercício
de pesquisar de vida um vago indício,

a provar a nós mesmos que, vivendo,
estamos para doer, estamos doendo.

Mas, na dourada praça do Rosário,
foi-se, no som, a sombra. O columbário

já cinza se concentra, pó de tumbas,
já se permite azul, risco de pombas.             

domingo, 16 de outubro de 2011

Aula de 17 de outubro

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Catulo: Carmen III

Lugete, o Veneres Cupidinesque,
et quantumst hominum venustiorum!
passer mortuus est meae puellae,
passer, deliciae meae puellae,
quem plus illa oculis suis amabat:
nam mellitus erat suamque norat
ipsam tam bene quam puella matrem,
nec sese a gremio illius movebat,
sed circumsiliens modo huc modo illuc
ad solam dominam usque pipiabat.
qui nunc it per iter tenebricosum
illuc, unde negant redire quemquam.
at vobis male sit, malae tenebrae
Orci, quae omnia bella devoratis:
tam bellum mihi passerem abstulistis.
o factum male, quod, miselle passer,
tua nunc opera meae puellae
flendo turgiduli rubent ocelli!


Trad. Nelson Ascher: Ode 3

Chorai, Vênus, Cupidos e homens, quantos
venerem a beleza, oh vós, chorai
a morte do pardal da minha amada,
pardal que era o prazer da minha amada
e que ela amava mais que aos próprios olhos,
porque era doce, conhecia a dona
como conhece a mãe uma menina
e não saía nunca do seu colo,
onde, pulando sem parar de um lado
ao outro, só piava para ela.
E agora ele se foi na tenebrosa
jornada da qual — dizem — ninguém volta.
Maldita sejas, por tragares tudo
que é belo, tu, maldita treva do Orco
que me privaste de um pardal tão belo!
0h, maldição! Coitado do pardal!
Por tua causa, a amada está com olhos
inchados e vermelhos de chorar.


Dorothy Parker: From A letter from Lesbia
... So, praise the gods, Catullus is away!
And let me tend you this advice, my dear:
Take any lover that you will, or may,
Except a poet. All of them are queer.

It's just the same. — a quarrel or a kiss
Is but a tune to play upon his pipe.
He's always hymning that or wailing this;
Myself, I much prefer the business type.

That thing he wrote, the time the sparrow died —
(Oh, most unpleasant — gloomy, tedious words!)
I called it sweet, and made believe I cried;
The stupid fool!
I've always hated birds...

Trad. Nelson Ascher: De uma carta de Lésbia

... Catulo está, portanto, fora da cidade,
Graças aos deuses! E eis, querida, o meu       conselho:
Escolhe, para amante, quem quer que te agrade,
Salvo um poeta, pois ninguém é tão pentelho.

Tanto lhe faz se há briga ou beijo — são       somente,
Com sua flauta sempre em mãos, um bom     motivo
Para cantar sobre o que louve ou que lamente.
Meu tipo mesmo está mais para o executivo.

Chamei aquilo sobre a morte do pardal
(Que versos lúgubres, maçantes, comezinhos!)
De doce, até fiz que chorava e coisa e tal
Para o imbecil. — Só que eu odeio    passarinhos...

William Carlos Williams: This is just to say

I have eaten
the plums
that were in
the icebox

and which
you were probably
saving
for breakfast

Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold

Trad. Antonio Cicero: Isto é só para dizer

Eu comi
as ameixas
que estavam
na geladeira

as quais
você decerto
guardara
para o desjejum

Desculpe-me
estavam deliciosas
tão doces
e tão frias

William Carlos Williams: “the red wheelbarrow

so much depends
upon

a red wheel
barrow

glazed with rain
water

beside the white
chickens


Trad. Antonio Cicero: o  carrinho de mão vermelho

tanta coisa depende
de

um carrinho de mão
vermelho

vidrado pela água da
chuva

perto das galinhas
brancas.

William Carlos Williams: The act

There were the roses, in the rain.
Don’t cut them, I pleaded.
            They won’t last, she said.
But they’re so beautiful
            where they are.
Agh, we were all beautiful once, she
said,
and cut them and gave them to me
in my hand.

Trad. Antonio Cicero: O ato
Lá estavam as rosas, na chuva.
Não as corte, implorei.
            Não vão durar, ela disse.
Mas estão tão bonitas
            onde estão.
Ah, todos nós fomos bonitos um dia, ela
            disse,
e as cortou e as deu para mim
            na minha mão.

Vicente de Carvalho: Velho Tema

I

Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Eugénio de Andrade: Vegetal e só

É outono, desprende-te de mim.

Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.

Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.

Devolve-me o rosto de um verão
Sem a febre de tantos lábios,
Sem nenhum rumor de lágrimas
Nas pálpebras acesas

Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.
Eugénio de Andrade: O sorriso

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

Eugénio de Andrade: Sempre a água

Sempre a água me cantou nas telhas.
Habito onde as suas bicas,
as suas bocas jorram.
As palavras que no cântaro
a noite recolhe e bebe
com agrado
sabem a terra por serem minhas.
Não sou daqui e não vos devo
nada, ninguém
poderá negar a evidência
de ser chama ou água,
fluir em lugar de ser pedra.
Perdoai-me a transparência.



Eugénio de Andrade: Green God

Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.


Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.


Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.


E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.

 

Eugénio de Andrade: Templo da Barra
O verde dos bambus mais altos é azul
ou então é o céu que pousa nos seus ramos.

Eugénio de Andrade: Conselho

Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade: O sal da língua
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.



Eugénio de Andrade: Mar de setembro

Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves -- só
ritmo e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.

Ângela Melim: Não sinto

Não sinto
(muito mais)
falta
nem saudade.

Estou tomando gosto das coisas.

Figuras e linguagem.

Uma laranja
diminutivo
sopinha quente
um sorriso
uma boa chuveirada.

O verão!
Como é colorido.
Super.

O Rio de Janeiro.
Uma viagem.
Contradições. Sinônimos.

Que boa a mão da idade.

Ângela Melim: Meu pai nos abandonou
Meu pai nos abandonou.
Minha mãe casou e mudou.
Vovó morreu.
Os irmãos sumiram no mundo
ou submundo.
Sem explicação
Yvonne nunca mais falou comigo
e, para Ronaldo,
sou fantasma do passado.
Vejo meus filhos já voando.
Nem um pássaro na mão.

Miguel de Unamuno: Leer, leer, leer

Leer, leer, leer, vivir la vida
que otros soñaron.

Leer, leer, leer, el alma olvida
las cosas que pasaron.

Se quedan las que quedan, las ficciones,
las flores de la pluma,

las olas, las humanas creaciones,
el poso de la espuma.

Leer, leer, leer; ¿seré lectura
mañana también yo?

¿Seré mi creador, mi criatura,
seré lo que pasó?

Trad. Antonio Cicero: Ler, ler, ler

Ler, ler, ler, viver a vida
Que outros sonharam.

Ler, ler, ler, a alma olvida
As coisas que passaram.

Ficam as que ficam, as ficções,
As flores da pluma,

As ondas, as humanas criações,
A lia da espuma.

Ler, ler, ler, serei leitura
Amanhã também eu?

Serei meu criador, minha criatura,
Serei o que passou?


domingo, 9 de outubro de 2011

Aula de 10 de outubro

Prezados alunos,

Conforme anunciei na última segunda-feira, não poderei dar aula no dia 10, pois, devido a um compromisso assumido no começo do ano, farei, exatamente às 18:00h, uma conferência sobre poesia, junto com o poeta Eucanaã Ferraz, na Biblioteca Nacional. Naturalmente, os alunos da Oficina estão convidados a comparecer à Biblioteca Nacional, para assistir a essa conferência.

sábado, 1 de outubro de 2011

Aula de 3 de outubro

Waly Salomão: ARS POÉTICA OPERAÇÃO LIMPEZA

Assi me tem repartido extremos, que não entendo...
(Sá de Miranda)

I
SAUDADE é uma palavra
Da língua portuguesa
A cujo enxurro
Sou sempre avesso
SAUDADE é uma palavra
A ser banida
Do uso corrente
Da expressão coloquial
Da assembléia constituinte
Do dicionário
Da onomástica
Do epistolário
Da inscrição tumular
Da carta geográfica
Da canção popular
Da fantasmática do corpo
Do mapa da afeição
Da praia do poema
Pra não depositar
Aluvião
Aqui
Nesta ribeira.

II
Súbito
Sub-reptícia sucurijuba
A reprimida resplandece
Se meta-formoseia
Se mata
O q parecia pau de braúna
Quiçá pedra de breu
Quiçá pedra de breu
CINTILA
Re-nova cobra rompe o ovo
Da casca velha
SIBILA

III
SAUDADE é uma palavra
O sol da idade e o sal das lágrimas

Sá de Miranda: Ledo em meus males sem cura

Ledo em meus males sem cura,
e nos descansos cansado,
querendo e sendo forçado,
ora cuidar me assegura
ora me mata cuidado.

Assi me têm repartido
extremos, que não entendo;
de toda parte corrido,
de todas desacorrido,
de nenh a me defendo.
A vida está mal segura,
eu tenho outro mor cuidade:
que mal tam bem estimado,
que nesta desaventura
me faz bem aventurado!
 


Sá de Miranda: Comigo me desavim

Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
antes que esta assi crecesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim?


Sá de Miranda: Cerra a serpente os ouvidos

Cerra a serpente os ouvidos
à voz do encantador;
eu não, e agora com dor
quero perder meus sentidos.
Os que mais sabem do mar
fogem d' ouvir as sereas;
eu não me soube guardar:
fui-vos ouvir nomear,
fiz minh' alma e vida alheas.


Sá de Miranda: Tardei, e cuido que me julgam mal

Tardei, e cuido que me julgam mal,
qu’emendo muito e qu’emendando dano,
Senhor; porqu’ hei gram medo ao mau engano
deste amor que nos temos desigual:

Todos a tudo o seu logo acham sal;
eu risco e risco, vou-me d’ano em ano:
com um dos seus olhos só vai mais ufano
Filipo, assi Sertório, assi Anibal.

Ando co’os meus papéis em diferenças;
são preceitos de Horácio – me dirão;
em al não posso, sigo-o em aparenças.

Quem muito pelejou como irá são?
Quantos ledores, tantas as sentenças;
C’um vento velas vem e velas vão.