segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Aula de 12 de setembro

Caros alunos,

Na aula de hoje farei uma exposição e explicação da tese que apresentei na conferência "Poesia e Preguiça", apresentada na ABL como parte do ciclo de conferências "Mutações: Elogio à Preguiça".

Como combinado, deixem, por favor, no espaço destinado a comentários a esta postagem, os exercícios que tiverem feito.


TEXTOS:


Charles Baudelaire: de "Mon coeur mis à nu":

Foi pelo lazer que, em parte, cresci. Com grande prejuízo, pois o lazer, sem fortuna, aumenta as dívidas, as humilhações resultantes das dívidas. Mas com grande lucro, relativamente à sensibilidade, à meditação, e à faculdade do dandismo e do diletantismo”.


Paul Valéry: de "Le bilan de l'intelligence"

Perdemos aquela paz essencial das profundezas do nosso ser, aquela ausência sem preço durante a qual os elementos mais delicados da vida se renovam e se reconfortam, durante a qual o ser, de algum modo, se lava do passado e do futuro, da consciência presente, das obrigações pendentes e das expectativas à espreita... Nenhuma preocupação, nenhum amanhã, nenhuma pressão interior; mas uma espécie de repouso na ausência, uma vacuidade benéfica que devolve ao espírito sua liberdade própria. Ele então se ocupa somente consigo mesmo. Livre de suas obrigações para com o conhecimento prático e desonerado da preocupação com as coisas próximas, ele pode produzir formações puras como cristais.


Hokusai: Do "Prefácio" a One hundred views of Mount Fuji

Desde seis anos, tenho mania de desenhar as formas das coisas. Aos cinquenta anos, eu tinha publicado uma infinidade de desenhos, mas nada do que fiz antes dos setenta anos vale a pena. Foi aos setenta e três que compreendi mais ou menos a estrutura da verdadeira natureza dos animais, das árvores, das plantas, dos pássaros, dos peixes e dos insetos.

Consequentemente, quando eu tiver oitenta anos, terei progredido ainda mais; aos noventa, penetrarei no mistério das coisas. Com cem anos, serei um artista maravilhoso. E quando eu tiver cento e dez, tudo o que eu criar: um ponto, uma linha, tudo será vivo.

Peço aos que viverem tanto quanto eu que vejam como cumpro minha palavra.

Escrito na idade de sete e cinco anos por mim, outrora Hokusai, hoje Gwakio Rojin, o velho louco pelo desenho.


Guy de Maupassant: de "Sur l'eau"

Este diário não contém nenhuma história e nenhuma aventura interessante. Tendo feito, na última primavera, um pequeno cruzeiro pelas costas do Mediterrâneo, diverti-me escrevendo, cada dia, o que vi e o que pensei.

Em suma, vi água, sol, nuvens e rochas – não posso relatar outra coisa – e pensei simplesmente, como se pensa quando a vaga nos embala, nos entorpece e nos carrega.


Theodor Adorno: de Minina moralia

Rien faire comme une bête [nada fazer como um bicho], deitar na água e calmamente olhar para o céu, ‘ser, nada mais, sem qualquer determinação ou realização ulterior’ poderiam tomar o lugar de processo, ato, realização, e assim verdadeiramente cumprir a promessa da lógica dialética de desembocar em sua origem. Nenhum dos conceitos abstratos chega mais perto da utopia realizada do que o da paz eterna.


Haroldo de Campos: de "Poesia e modernidade. Da morte do verso à constelação. O poema pós-utópico"

A experiência concretista, como experiência de limites, ensinou-me a ver o concreto na poesia; a transcender o “ismo” particularizante, para encarar a poesia, transtemporalmente, como um processo global e aberto de concreção sígnica, atualizado de modo sempre diferente nas várias épocas da história literária e nas várias ocasiões materializáveis da linguagem (das linguagens). Safo e Bashô, Dante e Camões, Sá de Miranda e Fernando Pessoa, Hölderlin e Celan, Góngora e Mallarmé são, para mim, nessa acepção fundamental, poetas concretos (o “ismo” aqui não faz sentido).


Manuel Bandeira: "O rio"

O rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.



Sophia de Mello Bryner Andersen: Biografia

Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-te na luz, no mar, no vento.

Sophia de Mello Bryner Andresen: O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu não for a habitação do tempo
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Sophia de Mello Bryner Andresen: Mar

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

As praças-fortes foram conquistadas
Por seu poder e foram sitiadas
As cidades do mar pela riqueza

Porém Cacela
Foi desejada só pela beleza

Sophia de Mello Bryner Andresen: Terror de te amar
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

Sophia de Mello Bryner Andresen: Traduzido de Kleist
Dizem que no outro mundo o sol é mais brilhante
E brilha sobre campos mais floridos
Mas os olhos que vêem essas maravilhas
São olhos apodrecidos

Sophia de Mello Bryner Andresen: As Três Parcas
As três Parcas que tecem os errados
Caminhos onde a rir atraiçoamos
O puro tempo onde jamais chegamos
As três Parcas conhecem os maus fados.

Por nós elas esperam nos trocados
Caminhos onde cegos nos trocamos
Por alguém que não somos nem amamos
Mas que presos nos leva e dominados.

E nunca mais o doce vento aéreo
Nos levará ao mundo desejado
E nunca mais o rosto do mistério

Será o nosso rosto conquistado
Nem nos darão os deuses o império
Que à nossa espera tinham inventado.

Pedro Salinas: No te veo
No te veo. Bien sé
que estás aquí, detrás
de una frágil pared
de ladrillos y cal, bien al alcance
de mi voz, si llamara.
Pero no llamaré.
Te llamaré mañana,
cuando, al no verte ya
me imagine que sigues
aqui cerca, a mi lado,
y que basta hoy la voz
que ayer no quise dar.
Mañana... cuando estés
allá detrás de una
frágil pared de vientos,
de cielos y de años.

Não te vejo
Não te vejo. Bem sei
que estás aqui, atrás
de uma frágil parede
de ladrilhos e cal, bem ao alcance
da minha voz, se chamasse.
Mas não chamarei.
Chamarei amanhã,
quando, ao não te ver mais
imagine que continuas
aqui perto, ao meu lado,
e que basta hoje a voz
que ontem eu não quis dar.
Amanhã... quando estiveres
lá atrás de uma
frágil parede de ventos,
de céus e de anos.

Omar Khayyam/Edward Fitzgerald: do Rubayat
XXIII

Ah vem, vivamos mais que a Vida, vem,
Antes que em pó nos deponham também,
Pó sobre pó, e sob o pó, pousados,
Sem Cor, sem Sol, sem Som, sem Sonho – sem.


Tradução de Augusto de Campos
XXIII

Ah, make the most of what we yet may spend,
Before we too into the Dust descend;
Dust into Dust, and under Dust, to lie,
Sans Wine, sans Song, sans Singer, and -- sans End.

Um comentário:

  1. Pequena insurgência soro-positiva

    Gota a gota, derrama-se este sangue
    Quando o incerto universo traz a morte
    À paz da morte, e a vida inflama o fim
    Dilatado em instantes dissonantes.

    Gota a gota, derrama-se este sangue
    Sobre o corpo que cai, ergue-se e busca
    Na hipótese da cura o seu futuro
    Com anti-humano, antígeno, antibióticos.

    Gota a gota, derrama-se este sangue
    Por gerações no nada em que se evade
    A palavra abreviada, o tempo em branco
    Da história, da esperança a ser escrita.

    Gota a gota, derrama-se este sangue
    Em valas rasas, onde sonhos, Áfricas
    heranças, ossos, regaços são jogados
    Em cal de agonia muda, embalsamada.

    Gota a gota, derrama-se este sangue
    Misturado a mulheres da Nigéria,
    Prostitutas, imunes sem perfume
    De murta, (mas) de pétala incurável.

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