Bertold Brecht: Die Landshaft des Exils
Aber auch ich, auf dem letzten Boot,
Sah noch den Frohsinn des Frührots im Takelzeug
Und der Delphine grauliche Leiber, tauchend
Aus der Japanischen See.
Die Pferdewäglein mit dem Goldbeschlag
Und die rosa Armschleier der Matronen
In den Gassen des gezeichneten Manila
Sah auch der Flüchtende mit Freude.
Die Öltürme und dürstenden Gärten von Los Angeles
Und die abendlichen Schluchten Kaliforniens und die Obstmärkte
Ließen auch den Boten des Unglücks
Nicht kalt.
Tradução de Paulo César de Souza: A paisagem do exílio
Mas também eu, no último barco
Vi ainda a alegria da aurora no cordame
E os corpos cinza claro dos golfinhos, emergindo
Do Mar do Japão
E os pequenos carros a cavalo com decoração em ouro
E os véus cor de rosa sobre os braços das matronas
Nas ruelas da condenada Manila
Viu também o fugitivo com prazer.
As torres de petróleo e os jardins sedentos de Los Angeles
E os desfiladeiros da Califórnia ao anoitecer, e os mercados de frutas
Também não deixaram indiferente
O mensageiro do infortúnio.
Duda Machado: A um apostador
pra mim
o páreo
é dentro
corro
por fora
(aéreo,
atento)
e fim.
T.S. Eliot: Ash Wednesday
I
Because I do not hope to turn again
Because I do not hope
Because I do not hope to turn
Desiring this man's gift and that man's scope
I no longer strive to strive towards such things
(Why should the aged eagle stretch its wings?)
Why should I mourn
The vanished power of the usual reign?
Because I do not hope to know again
The infirm glory of the positive hour
Because I do not think
Because I know I shall not know
The one veritable transitory power
Because I cannot drink
There, where trees flower, and springs flow, for there is nothing again
Because I know that time is always time
And place is always and only place
And what is actual is actual only for one time
And only for one place
I rejoice that things are as they are and
I renounce the blessed face
And renounce the voice
Because I cannot hope to turn again
Consequently I rejoice, having to construct something
Upon which to rejoice
And pray to God to have mercy upon us
And pray that I may forget
These matters that with myself I too much discuss
Too much explain
Because I do not hope to turn again
Let these words answer
For what is done, not to be done again
May the judgement not be too heavy upon us
Because these wings are no longer wings to fly
But merely vans to beat the air
The air which is now thoroughly small and dry
Smaller and dryer than the will
Teach us to care and not to care
Teach us to sit still.
Pray for us sinners now and at the hour of our death
Pray for us now and at the hour of our death.
Tradução de Ivan Junqueira:
Quarta-feira de cinzas
I
Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?
Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma
Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar
E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que foi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós
Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.
Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.
Paulo Henriques Britto: Acalanto
Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,
despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;
e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de uma dormida, nos satisfazemos
em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, um dia a menos.
E cada mundo apaga seus contornos
ao aconchego de um outro corpo morno.
Michel Deguy: Gisants
Je ne cesse de te perdre depuis cette chambre d’hôtel
Où nue et détournée tu m’as crié va-t’en
Je ne me rappelle plus notre querelle, ma faute
Mais le papier, ton dos courbe,
La nature morte du jour et de l’armoire,
Et ma croyance indolore debout que j’allais te revoir
Tradução de Antonio Cicero: Jacentes
Não paro de te perder desde esse quarto de hotel
Em que nua e de costas me gritaste vai embora
Não lembro mais nossa discussão, meu erro
Só o papel, tuas costas arqueadas,
A natureza morta do dia e do armário,
E minha crença indolor em pé de que te reveria.
Cesar Vallejos, Heces
Esta tarde llueve, como nunca; y no
tengo ganas de vivir, corazón.
Esta tarde es dulce. Por qué no ha de ser?
Viste gracia y pena; viste de mujer.
Esta tarde en Lima llueve. Y yo recuerdo
las cavernas crueles de mi ingratitud;
mi bloque de hielo sobre su amapola,
más fuerte que su "No seas así!"
Mis violentas flores negras; y la bárbara
y enorme pedrada; y el trecho glacial.
Y pondrá el silencio de su dignidad
con óleos quemantes el punto final.
Por eso esta tarde, como nunca, voy
con este búho, con este corazón.
Y otras pasan; y viéndome tan triste,
toman un poquito de ti
en la abrupta arruga de mi hondo dolor.
Esta tarde llueve, llueve mucho. ¡Y no
tengo ganas de vivir, corazón!
Tradução de Antonio Cicero: Borra
Esta tarde chove como nunca; e não
tenho ganas de viver, coração.
Esta tarde é doce. Por que não há de ser?
Veste graça e pena; veste de mulher.
Esta tarde em Lima chove. E lembro
as cavernas cruéis de minha ingratidão:
meu bloco de gelo sobre sua amapola,
mais forte que seu “Não sejas assim!”
Minhas violentas flores negras; e a bárbara
e enorme pedrada; e o trecho glacial.
E porá o silêncio de sua dignidade
com óleos ardentes o ponto final.
Por isso esta tarde, como nunca, vou
com este mocho, com este coração.
E outras passam; e vendo-me tão triste,
tomam um pouquinho de ti
na abrupta ruga de minha profunda dor.
Esta tarde chove, chove muito. E não
tenho gana de viver, coração!
Constantinos Cavafis, Lembra, corpo
Tradução de Ísis Borges da Fonseca
Corpo, lembra não só quanto foste amado,
não somente os leitos em que deitaste,
mas também aqueles desejos que por ti
brilhavam nos olhos claramente,
e que tremiam na voz – e que algum
obstáculo fortuito frustrou.
Agora que tudo já está no passado,
parece, quase, que àqueles desejos também
tu te entregaste – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que te contemplavam;
como tremiam na voz, por ti, lembra, corpo.
Friedrich Hölderlin: Hälfte des Lebens
Mit gelben Birnen hänget
Und voll mit wilden Rosen
Das Land in den See,
Ihr holden Schwäne,
Und trunken von Küssen
Tunkt ihr das Haupt
Ins heilignüchterne Wasser.
Weh mir, wo nehm ich, wenn
Es Winter ist, die Blumen, und wo
Den Sonnenschein,
Und Schatten der Erde?
Die Mauern stehn
Sprachlos und kalt, im Winde
Klirren die Fahnen.
Tradução de Manuel Bandeira: Metade da vida
Peras amarelas
E rosas silvestres
Da paisagem sobre a
Lagoa.
Ó cisnes graciosos,
Bêbedos de beijos,
Enfiando a cabeça
Na água santa e sóbria!
Ai de mim, aonde, se
É inverno agora, achar as
Flores? E aonde
O calor do sol
E a sombra da terra?
Os muros avultam
Mudos e frios; à fria nortada
Rangem os cataventos.
Teócrito: Idílio VII.118ss.
Tradução de Antonio Cicero:
Ó amores corados como maçãs,
atirem setas no adorável Filino,
atirem, que o miserável não tem pena do meu amigo:
todavia, mais maduro do que pêra, as mulheres dizem
Ai ai Filino, já foge a flor da tua beleza
Antípatro de Sidon: Epigrama (Anthologia Graeca VII.30)
Tradução de Antonio Cicero:
A tumba de Anacreonte: o cisne de Teio aqui
dorme com sua pura loucura por rapazes.
Um auge lírico ele canta sobre o desejo de
Bathyllo, e o mármore branco tem perfume de hera.
Nem Hades extinguiu os teus amores e na casa
de Aqueronte é da febre de Chipre que padeces
Carlos Drummond de Andrade: “A máquina do mundo”
E como eu palmilhasse vagamente
Uma estrada de Minas, pedregosa,
E no fecho da tarde um sino rouco
Se misturasse ao som de meus sapatos
Que era pausado e seco; e aves pairassem
No céu de chumbo, e suas formas pretas
Lentamente se fossem diluindo
Na escuridão maior, vinda dos montes
E de meu próprio ser desenganado,
A máquina do mundo se entreabriu
Para quem de a romper já se esquivava
E só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
Sem emitir um som que fosse impuro
Nem um clarão maior que o tolerável
Pelas pupilas gastas na inspeção
Contínua e dolorosa do deserto,
E pela mente exausta de mentar
Toda uma realidade que transcende
A própria imagem sua debuxada
No rosto do mistério sem abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
Quantos sentidos e intuições restavam
A quem de os ter suado já os perdera
E nem desejaria recobrá-los
Se em vão e para sempre repetimos
Os mesmos sem roteiro tristes périplos,
Convidando-os a todos, em corte,
A se aplicarem sobre o pasto inédito
Da natureza mítica das coisas,
Assim me disse, embora voz alguma
Ou sopro ou eco ou simples percussão
Atestasse que alguém, sobre a montanha,
A outro alguém, noturno e miserável,
Em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, auscuta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste...vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo".
As mais soberbas pontes e edifícios,
O que nas oficinas se elabora,
O que pensado foi e logo atinge
Distância superior ao pensamento,
Os recursos da terra dominados,
E as paixões e os impulsos e os tormentos
E tudo que define o ser terrestre
Ou se prolonga até nos animais
E chega às plantas para se embeber
No sono rancoroso dos mistérios,
Dá volta ao mundo e torna a engolfar
Na estranha ordem geométrica de tudo,
E o absurdo original e seus enigmas,
Suas verdades altas mais que tantos
Monumentos erguidos à verdade;
E a memória dos deuses, e o solene
Sentimento de morte, que floresce
No caule da existência mais gloriosa
Tudo se apresentou nesse relance
E me chamou para seu reino augusto,
Afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
A tal apelo assim maravilhoso,
Pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
A esperança mais mínima - esse anelo
De ver desvanecida a treva espessa
Que entre os raios do sol inda se filtra;
Como defuntas crenças convocadas
Presto e fremente não se produzissem
A de novo tingir a neutra face
Que vou pelos caminhos demonstrando
E como se outro ser, não mais aquele
Habitante de mim há tantos anos,
Passasse a comandar minha vontade
Que, já de si volúvel, se cerrava
Semelhante a essas flores reticentes
Em si mesmas abertas e fechadas;
Como se um dom tardio já não fora
Apetecível, antes despiciendo,
Baixei os olhos, incurioso, lasso,
Desdenhando colher a coisa oferta
Que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
Sobre a estrada de Minas, pedregosa,
E a máquina do mundo, repelida,
Se foi miudamente recompondo,
Enquanto eu, avaliando o que perdera,
Seguia vagaroso, de mãos pensas.
Camões: “Luzíadas”, do Canto X
80
Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.
Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho”
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
desvelamento
ResponderExcluiras gavetas todas vazias,
nenhuma partícula de pó -
como se não tivesse sido feita,
ainda é árvore, a madeira.
sem segurança pra guardar o segredo,
qualquer guarda pro que se vele.
o sussurro silencioso dentro do ouvido
nada diz e cala.
mesmo pronta a palavra não fala;
a língua almeja lapidá-la:
protege-se rabiscando o papel –
o mistério da letra é carretel
na dobra da fazenda costurada
a idéia que tenta, então revelada.
Vigia Noturno
ResponderExcluirmea noite; sobre a mesa o copo jaz.
através de uma fresta da janela,
a brisa acaricia e atenua
o silêncio e a solidão do rapaz.
longe a madrugada cerca e arrasta
em alto-mar as plêiades e a lua;
feito uma colcha que se abre furada -
imensa! contra luz, por cima da abra.
um copo de café e nada mais,
é tudo que se tem e que se basta
pra sustentar o tempo sobre o cais -
vigília noturna que a vista gasta.